17 junho 2010

Dossiê R.H.

Por mais que seja extremamente óbvio, gostaria de usar esse espaço nada democrático para declarar o quanto eu odeio entrevistas de emprego. "Dã" é o que eu posso ouvir você dizer, do outro lado do monitor, enquanto saboreia seu Doritos e se prepara para o StandUp Comedy do Casagrande num espaço inédito, os jogos da Copa do Mundo. Mas eu sei que é óbvio, já que na maioria das vezes uma pessoa numa entrevista de emprego está lá porque, er, não tem emprego, o que já era uma situação complicada quando TV a cabo não fazia parte do orçamento familiar, imagine agora. Sabendo disso, as empresas - e os já empregados - resolveram criar uma forma de se divertir com isso, apelidada de Departamento de Sadismo Enrustido, mais conhecido pela sigla R.H.. Curioso que Sadismo Enrustido deveria ser S.E., mas acho que o primeiro a digitar errou e ninguém teve coragem de consertar, devia ser o chefe.

Pois bem, o pessoal do R.H. gosta de duas atividades: A entrevista de emprego e a dinâmica de grupo. Cada uma mais peculiar que a outra. Aposto que nas reuniões em que se decide o que vão submeter os candidatos, uns dois saem passando mal de tanto rir.

A entrevista de emprego deveria ser proibida por lei de se chamar entrevista. Basicamente o que acontece é que o entrevistador fica lendo seu currículo na sua frente. Com o agravante de que ele pediu para que você levasse o currículo, mesmo que no e-mail exigido para se candidatar a vaga, o currículo tenha sido pedido também. "Ok, fiquei com isso por uma semana na minha caixa de entrada e mesmo assim não vou me dar ao trabalho de ler, vou esperar você levar uma cópia impressa que não vai me custar tinta e nem vai machucar meus olhos, e aí vou perder um tempo enorme e vou ler bem na sua frente em vez de fazer perguntas muito mais interessantes sobre a sua pessoa, já que o tempo é curto e tem um monte de gente para ler o currículo também".

Sempre tem uns agravantes, e a pior delas é a pretensão salarial. Meu amigo, eu não tenho emprego, se você me propor dançar a Macarena por 5 reais eu levanto sem pensar duas vezes. É o maior exercício de crueldade possível. Se você pedir baixo demais, pode achar que eles vão te contratar por essa merreca ou que você não dá valor suficiente a você mesmo. Se pedir alto demais, vão achar que você tem muita ambição e que pode sair da empresa por duas mariolas a mais na concorrência. Se você diz o valor exato, vão ter certeza que você tem algum conhecido na empresa que cantou a pedra antes. Uma vez em uma entrevista de emprego em 2004 o selecionador que tinha um porta-retrato virado para ele perguntou: "Você tem namorada?. "Sim, tenho", foi o que respondi. "E o quanto você gosta dela?. Olhei pro lado e vi um sofá na sala, imaginei que o porta-retrato tinha uma foto do Alexandre Frota e pensei "Droga, vou ter que enrabar esse cara". Mas não, tudo era uma questão de que o emprego exigia viagens e blá blá blá.

E nas dinâmicas de grupo, toda a criatividade desses "desafios" parecem gritar "RIARIARIARIA DROGAS, MANO!!!". Das coisas mais simples, como o tal "desenhe alguma coisa" até a dinâmica com o ovo, tudo parece fazer algum sentido psicossomático. Mas não, tudo será motivo de riso no happy hour de sexta. Uma vez, numa certa emissora de TV em Jacarepaguá, eu desenhei uma ampulheta, expliquei uma história muito bonita falando que a ampulheta tinha um andar de tempo mais belo que o relógio, porque enquanto o relógio é cíclico e se repetia, na ampulheta, o próprio tempo em si precisava da ação do homem para acontecer. Isso significava que o tempo em si era uma construção da humanidade, e dependia da humanidade para existir. Coisas assim, que ouvi na faculdade de história. Passou o cara que tinha experiência em outra emissora de TV e desenhou ele mesmo ouvindo música no quarto.

Na última entrevista de emprego que fui, o desafio era grande, salário de USD 1900 e a entrevista era em inglês (isso só foi dito quando chegamos). Como algo sempre precisa dar errado, eu tinha aparado a barba no dia anterior, mas esqueci de raspar na manhã seguinte, só me lembrei já na Av. Brasil. Para ganhar tempo, o entrevistador preferiu fazer a entrevista em pares. Na entrada da sala, ele mandou um "how are you?" e eu respondi um "I'm pretty fine, sir. Thanks for ask" e ele fez um olhar respeitoso. Deu a impressão que eu morei 10 anos no Brooklin. Daí o meu par na entrevista foi uma menina e eu, todo querendo dar uma de polido, disse "Ladies first". Para que? A menina falava inglês com uma fluência que foi me deixando nervoso. Quando chegou minha vez. Eu parecia - sem sacanagem - um integrante do Hamas fazendo ameaças num vídeo do grupo. Aquela situação constrangedora, aliada àquela minha barba e minha meia cara de árabe me deu vontade de olhar o relógio, virar para Meca e começar a rezar cantando. Mas me controlei.

Isso tudo posto, segue aqui o maravilhoso Guia de Metas Diego Paiva para Melhorar a Humanidade Através de Entrevistas de Emprego:

1 - "Desenhe algo"> Desenhe a empresa e um cara com uma coroa no alto. Desenhe uma favela do lado. Explique que no sistema capitalista, para existir aquele dono de empresa, uma favela intera precisa existir também. Relaxa, o cara que tem mais experiência no tal tipo de serviço iria ficar com a vaga de qualquer modo

2 - "Dinâmica do Ovo" > Te colocam em roda, te botam um ovo na sua mão e colocam uma música horrível tocando. No final, você tem que quebrar o ovo no chão. Aceite o ovo e quebre no final da música... na cabeça do cara do R.H.. Ou na sua mesmo, se você tiver a manha de urrar bem forte e ter roupas limpas na mochila. Caso seja expulso, berre algo sobre a castração da liberdade criativa no sistema moderno de produção. Seus amigos do IFCS ou da FFLCH vão te achar um herói.

3 - "Pretensão Salarial" > Essa é boa, assim que ele perguntar, responda sem perder nenhum segundo "Tio Patinhas". "Ahn?" deve ser a reação, ou similar. "Tio Patinhas", você responde novamente. Ele vai dizer que precisa de um valor, um número. Incline levemente e lentamente a cabeça para a direita, aponte o dedo indicador direito para a testa, diga "Tio Patinhas" e em seguida levante a sobrancelha. Preste atenção, o movimento da cabeça e da sobrancelha deve ser muito bem ensaiado para que o entrevistador pensa que o idiota é ele.

E no mais é isso. Empresas de R.H., aceito ofertas. Tenho um curso de teatro, duas faculdades incompletas mas acho pouco, pretendo não terminar mais umas duas. Faço mais o estilo Felipe Melo way of Life ("Meu amigo, eu sou volante"). Prometo explorar dos candidatos as vagas não só respostas prontas e adaptadas de algum texto do Max Gehringer, prometo descobrir a fundo o que esse cara é, o que o faz RESPIRAR (metafisicamente, não o diafragma) e o onde ele pode ser melhor aproveitado apenas em uma sexta feira no bar. Pretensão salarial: Tio Patinhas.