24 abril 2010

É preciso prática para beber vinho

Acho que desde 2006 eu não bebia o vinho Cantina da Serra. Eu sei o que alguns de vocês estão pensando, estão revoltados e coçando o dedo para bradar "Cantina da Serra não é vinho!", Mas para fins práticos vamos considerar nenhuma filosofia desse tipo, que é equivalente a um "Atlético-PR não é time!". Ora, tem uniforme, joga com 11, é time sim. Se é bom ou não é uma questão de opinião e fase. Mas é time.

Antigamente eu tomava esse vinho semanalmente, nos tempos do IFCS. Na Lapa e nas noites adentro das maratonas Odeon a garrafa oficial era a minha. Umas duas semanas atrás recebi a visita de dois amigos, e na correria de comprar cervejas, escolhi o Cantina da Serra na promoção de um posto, correndo, meio que sem pensar, para um amigo que não bebeia cerveja. O amigo saiu daqui sem um gole sequer, não sei se ofendido pela marca escolhida ou alguma questão superior. Mas no dia seguinte eu resolvi abrir o treco, e no primeiro gole aquela coisa desceu tão estranha na minha garganta que eu fiquei meio assustado de saber que bebia aquilo sempre. Como eu conseguia?

Nesse momento, acabei de terminar o último copo da garrafa. Com um pouco de insistência, e uma chegada em casa ainda sobre o efeito de alguns chopps, o vinho desceu. E depois, no dia seguinte, aquela cara feia intercalando os goles não existia mais.

O vinho é uma bebida paciente. Ela não sai da produção direto para seu paladar. Ele espera, cauteloso e temeroso de seu destino, em algum lugar, por volta de dois anos. O vinho não sabe construir relações rapidamente, ele só se sente à vontade em algum lugar depois de um tempo. Certas pessoas são assim como o vinho e não se sentem prontasde imdiato para consumo. A estas é preciso se dedicar com a paciência de um sommelier para se construir uma relação. Normalmente uma pessoa como o vinho é tão chique quanto. Entenda: Por mais barato que o vinho seja, ele ostenta uma certa 'classe' do lado das cervejas.

E provar o vinho, como expliquei no começo do texto, é complicado também. Se seu paladar não está acostumado, ele não desce bem. Mas aos poucos, você não quer tomar outra coisa. E nos resta fingir ser sommelier, tentando fazer com que o paladar seja adequado.

13 abril 2010

O Velho e o Moço

Domingo no Rio de Janeiro. Enquanto toda a atenção da cidade se virava para o Maracanã, eu estava longe de lá, de corpo e de cabeça. Passando pelo calçadão de Copacabana, ainda sujo da areia que o temporal e a ressaca fizeram subir, vendo o brilho da tarde refletindo em ondas, vidros e pessoas, algo estava perto de ter uma conclusão.

Antes disso, dois adendos: Faz algum tempo, eu vinha tendo sonhos 'continuados'. Não exatamente continuações um de outro, mas cada um desses sonhos continuavam algum sonho antigo que eu tive e me lembrava. Era estranho, nunca tinha acontecido e menos ainda com uma frequência tão grande. Imaginei que isso tivesse algum sentido, alguma resposta. E nesse domingo, estava tão cansado e sem vontade de sair que tinha lutado com todas as minhas forças para sair. Pode ser apenas coincidência, mas um esforço maior me tirou de casa, um esforço maior que me levaria a um lugar e que justificaria sua razão de existir.

De dentro do Forte de Copacabana, assisti a orla deixar o amarelo de lado e ganhar uns tons de violeta. Aquele meio termo, aquele transitório pintava o céu e tornava o lugar mais belo do que poderia ser. No caminho de volta, ouvimos uma música. Dentro de uma das salas um grupo de chorinho executava uma canção. Ficamos na porta, e logo nos indicaram que haviam lugares disponíveis.

Como era Copacabana não podia ser diferente. Dentro da sala, tirando os músicos, qualquer um ali era no mínimo a tia mais nova de nós dois. Só de entrar tinhamos baixado a média de idade da audiência em algumas décadas. A música era boa, linda, bem executada. e deu-se a mágica.

Um casal de senhores começou a dançar na frente dos músicos. Minha namorada achou fofo demais, eu comecei a sorrir, e aos poucos, aquele sorriso foi se transformando numa emoção sem sentido algum, inexplicavél, que eu não sabia de onde vinha e nem para onde ia. Aquele senhor, usava uma camisa social e uma boina, como eu. A diferença é que as duas eram brancas. As lágrimas caíam dos meus olhos sem sons ou soluços inoportunos, mas caíam com a velocidade de um grande choro. Gotas e mais gotas incessantes, mas eu estava sorrindo. O que estava acontecendo.

Enquanto o casal rodopiava com uma elegância assustadoramente perfeita, eu disse para minha namorada que "não entendia o que estava acontecendo comigo". Ela me disse que é por causa da minha avó, por ela estar doente e mal andar. Eu sabia que não, mas não queria começar uma discordância, ainda mais com algo que só era claro, só era bonito e só fazia sentido para mim.

Aquela história de continuidade, que antes estavam nos sonhos, tinha chegado a vida real. Todos esses sonhos, todo aquele esforço sobrenatural para me tirar de casa num domingo, tudo aquilo estava justificado naquele momento. Aquele senhor que rodopiava alegremente na frente de todos, ouvindo um chorinho, era eu, era minha continuidade. Ou pelo menos poderia ser o meu futuro, se assim eu quisesse. O que a música, os sonhos e aquele sorriso do rosto coberto de rugas e recheado de simpatia queriam me contar era: É possível continuar, é possível ser feliz, e é possivel chegar a isso. OUÇA SEUS SONHOS. O mundo ainda podia ser um bom lugar, o mundo ainda permitia momentos como aqueles, dentro daquela sala. Continuar era necessário, com 'continuar' no sentido mais amplo e metafísico possível. É egoísta e imbecil da minha parte pensar assim, mas algo dentro de mim justifica que todo aquele cenário foi feito para mim, que aquele momento só aconteceu por minha causa, para deixar o monstro dentro de mim quieto e guardado, pelo menos por mais um tempo até que ele ataque novamente.

E do Forte até o metrô da Cardeal Arcoverde, eu caminhava em passos lentos, enquanto imaginava, de camisa social e boina branca, rodopiar no compasso de Jacob do Bandolim.