18 outubro 2010

O Inimigo agora é Outro

Soando mais facista possível, peço licença a todos os não-cariocas e venho me dirigir a eles e somente eles: Se você, nascido e criado no Rio, entrou do mesmo modo que saiu do cinema ao ver "Tropa de Elite 2" você não tem alma e não pertence a esse lugar. "Tropa 2" é um Hino de amor ao Rio, do modo dele. Todos os modus operandi ali são cariocas.

Capitão Nascimento no primeiro filme é um personagem imutável e desumano. Muitos imbecis viam aquele vilão e compraram o discurso achando que aquela era a mensagem do filme: Em "Tropa 1", se você não é maconheiro da PUC, o filme não critica muito você. Mas isso era apenas o consumidor final e o último comerciante. É um recurso muito utilizado em seriados. As primeiras temporadas tem um vilão, e quando chega a segunda temporada, aparece um vilão bem pior, e vemos que tudo ali era nada perto do que estava por vir. Em "Tropa 1", o falso vilão é o traficante Baiano (vilão mesmo é o Capitão Nascimento). Em "Tropa 2", quantos "Baianos" aparecem na tela e não duram nem 5 falas? Não era preciso se envolver mais na estrutura entre traficantes e policiais corruptos: A Classe Média já veio enfrentar as filas de cinema pronta para reverenciar o seu cavaleiro que veste negro, agora promovido a Tenete-Coronel Nascimento. O próprio filme brinca com isso em uma cena, onde Nascimento é aplaudido em público ao ser reconhecido. Mas se os maconheiros da PUC eram a engrenagem de lucro dos inimigos no primeiro filme, agora estamos falando com você, amigão.

Mas o arauto da salvação do Baixo Leblon, após anos e anos olhando de cima os traficantes, tem que se virar para cima. E o que ele vê no alto o faz duvidar de sua missão. Tal qual Jesus Cristo, Nascimento duvida (Ó BOPE porque me abandonastes?). E por duvidar, ele nos mostra seu lado humano, tão ausante no primeiro filme que só ouvimos em "Tropa 1" seu nome de guerra. Agora ele tem um nome comum - Roberto Nascimento - e uma guerra dele, pessoal, pelo coração de seu próprio filho, com o "Sociólogo de merda", que fingimos não ser o Marcelo Freixo, exemplo de ser humano no combate as milícias e que eu tenho orgulho de ter feito parte da votação em massa que ele recebeu no Rio de Janeiro para deputado estadual, perdendo apenas para Wagner Montes. Por sinal, vocês também finjam que ele não existe no filme e que o personagem do André Mattos não tem nada emprestado dele.

O filho de Nascimento fica meio que como uma representação da sociedade. E aí, quem você quer como exemplo? O "cara que bate em pessoas" ou o "amigo de bandido"? (Não concordo com essa denominação do deputado, mas entendo os motivos que fazem o Tenente-Coronel Nascimento pensar assim). E aí descobrimos onde está o ponto fraco do nosso Fuhrer Carioca e ele se mostra capaz de errar e admitir os erros que cometeu.

Além disso, se mostra capaz de perceber que a missão que ele achava ser nobre servir a outros interesses. Quem lucra com a guerra ao tráfico de Drogas? O Filme dá uma aula sobre a História moderna da nossa cidade, passando por pontos chaves como a rebelião de Bangu I, Tim Lopes e os jornalistas do Jornal O DIA que foram torturados por milicianos, Wagner Montes e a influência de programas mundo-cão no cotidiano do Rio, como funciona a estrutura das milícias na Zona Oeste e o BOPE. O bom e velho BOPE, que Nascimento enche a boca para falar que em sua gestão na Sub-Secretaria de Segurança cresceu e virou uma máquina de guerra que ajudou a desmontar a criminalidade do Rio de Janeiro, como um Dom Quixote, tratando Baianos e similares como moinhos de vento. E vale ressaltar como a perda do "aspira" Neto em "Tropa 1" realmente transformou André no substituto ideal do Velho Nascimento, que foi treinado por ele muito bem, imagem e semelhança.

Aos poucos, Nascimento vai percebendo que o inimigo é outro, e que ele ajudou esse inimigo a se fortalecer. Espero que junto com ele, toda essa classe média idiota que o idolatra perceba que se eles não estão do lado de pessoas como o deputado Freitas, eles estão em algum ponto da engrenagem de lucro dos grandes inimigos dessa cidade.

4 comentários:

Eric Franco disse...

Dificilmente as pessoas vão perceber isso. É bem provável que só transfiram um pouco da responsabilidades que antes era dos bandidos, com o "sistema".

Rodrigo disse...

quando li o título do post, por algum motivo pensei em Lost.
não vi tropa de elite, nem o 1 nem o 2, limito meu comentário ao título do post mesmo. abç ;)

@mawara disse...

Semana passada no trabalho, em um belo domingo de sol (óh como sofro) um colega disse a seguinte frase:

- Capitão Nascimento representa o discurso da classe média de que todo bandido tem mais é que morrer.

Na hora não argumentei, fiquei apenas ruminando a ideia, pensando que sim, isso é verdade em certo ângulo, mas é uma questão tão complexa e tão grande...
Esse post me fez voltar a essa questão, principalmente em "A Classe Média já veio enfrentar as filas de cinema pronta para reverenciar o seu cavaleiro que veste negro, agora promovido a Tenete-Coronel Nascimento."

Agora tenho q ir ver o filme, pra fazer um comentário q preste...

Anônimo disse...

Eu não vi o primeiro filme. Por discordar, por acreditar que ele endossava mesmo essa mentalidade do "tem que morrer", típica da classe média.
Vi o segundo. E me parece que ele fez o "retorno". Mas, o que mais me indigna é ver como as pessoas em geral tem uma capacidade elevadíssima para se alienar.
Eu, moradora de Bangu, ali, sentada, em um cinema de Bangu, com outras pessoas que moram em Bangu, assistindo à cena no Presídio de Bangu. Será que alguém percebeu algo além do "nossa, como o capitão nascimento é um gato". Certamente, não pararam para pensar que o personagem de André Mattos era uma crítica ao Wagner Montes, pelas risadas. CTRL+C, CTRL+V na vida real e as pessoas só sabem rir. Não, gente, acho que vocês não entenderam: era pra chorar.

Ana Ferraz